Os surrealistas tinham como exercício a
realização de jogos como forma de aumentar o repertório imagético e onírico de
seus participantes. Um dos mais conhecidos e importantes é o jogo do Cadavre exquis, feito tanto na forma
verbal como na visual.
O procedimento para se jogar era muito simples,
conforme Tristan Tzara, a receita para o cadavre exquis escrito era: pegar uma folha de papel dobrada o
número de vezes correspondente ao número de participantes, na qual cada um
escreveria o que passava por sua cabeça sem ver o que tinham feito
anteriormente seus companheiros.
Profundamente influenciado pelos jogos
surrealistas, sugeri que fizéssemos experiências semelhantes, principalmente
quando estávamos numa mesa de bar. Vários amigos participaram desses escritos
coletivos, até mesmo aqueles que nem se interessavam por literatura; jogavam
pelo simples prazer de participar, de criar. Adaptei o jogo: escrevíamos alguns
versos, mas apenas o último era visto pelo jogador seguinte, - às vezes dois
versos ou metade da estrofe, - que dava sequência ao texto.
O poema a seguir foi escrito
no Palhoça, bar do Ronaldo, por mim e pelo Fefa. A data não consegui apurar.
POEMA
(Egelane
Damasceno/Roberto Bessa)
Toda
essa água preta
Murmura
o líquido absurdo
Todo
esse chapéu articulado no nada
Pernas
pra cima do deus consequente
Agora
chupo seu corpo de algodão
E
respiro gás lacrimogêneo
Nas
paredes de barro azul
Alecrim
duvidoso da pele
Aos
quatorze ou quinze
O
importante não importa
Importa
é a porta sempre torta
Sou
fruto do fruto e durmo feito jaca
Mas
meus espinhos ainda são doces
Como
o fel de um coração bandido
Fausta
cabeça entre postes e espinhos
Vinho
de pedras goela abaixo
Ah,
são todos os venenos...
O
cano de fumo que devora vidas eloquentes
A
passo fino... Formosura
A
pequena dama de paus que dança
O
sempre sedutor diálogo de alumínio
Entre
hordas de bêbados
Procurando
estepes na lama
Meus
lábios de arame farpado procuram
A
língua da donzela apodrecida
No
mais... É só... Acordei num mundo conhecido
Com
muita dor de cabeça
Cor
na cabeça flor de terça
Abortada
em sonhos
Acordei
num sonho desconhecido sem tampa
Dormi
numa noite sem frio à espera
De
uma paixão descomplacente
No
luto descomplacente dias de carnes dormentes
No
papel o sangue é azul
Infinitas
estrelas na solidão de uma
Bussola
quebrada
É
sério... Sou um elemento apodrecido
Nas
turbulências da paixão vulgar
Sou
e não posso fugir
Fundir
duas naturezas contrárias
Mas
posso adaptá-las
A
um mundo sem felicidade absoluta
Veja
quantas estrelas moram em mim
Você
seria capaz de ver pelo menos uma?
Estrelas
vivem num fantasma de luz
Talvez
não existam estrelas
A
cabeça é a maior delas
Grandeza
sem limite de tempo
Sério
são as interrogações
Talvez
não existam estrelas lá fora
Mas
dentro de tudo
Desse
entrelaçado de ilusões
É
absoluto pensar na existência das estrelas
Talvez
se possa adaptá-las
Você
e muitos complementos
Quinhentos...