quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ESCRITOS COLETIVOS

Os surrealistas tinham como exercício a realização de jogos como forma de aumentar o repertório imagético e onírico de seus participantes. Um dos mais conhecidos e importantes é o jogo do Cadavre exquis, feito tanto na forma verbal como na visual.
O procedimento para se jogar era muito simples, conforme Tristan Tzara, a receita para o cadavre exquis escrito era: pegar uma folha de papel dobrada o número de vezes correspondente ao número de participantes, na qual cada um escreveria o que passava por sua cabeça sem ver o que tinham feito anteriormente seus companheiros.

Profundamente influenciado pelos jogos surrealistas, sugeri que fizéssemos experiências semelhantes, principalmente quando estávamos numa mesa de bar. Vários amigos participaram desses escritos coletivos, até mesmo aqueles que nem se interessavam por literatura; jogavam pelo simples prazer de participar, de criar. Adaptei o jogo: escrevíamos alguns versos, mas apenas o último era visto pelo jogador seguinte, - às vezes dois versos ou metade da estrofe, - que dava sequência ao texto.
O poema a seguir foi escrito no Palhoça, bar do Ronaldo, por mim e pelo Fefa. A data não consegui apurar.


POEMA
(Egelane Damasceno/Roberto Bessa)

Toda essa água preta
Murmura o líquido absurdo

Todo esse chapéu articulado no nada
Pernas pra cima do deus consequente

Agora chupo seu corpo de algodão
E respiro gás lacrimogêneo
Nas paredes de barro azul

Alecrim duvidoso da pele
Aos quatorze ou quinze
O importante não importa
Importa é a porta sempre torta

Sou fruto do fruto e durmo feito jaca
Mas meus espinhos ainda são doces
Como o fel de um coração bandido

Fausta cabeça entre postes e espinhos
Vinho de pedras goela abaixo
Ah, são todos os venenos...

O cano de fumo que devora vidas eloquentes
A passo fino... Formosura

A pequena dama de paus que dança
O sempre sedutor diálogo de alumínio
Entre hordas de bêbados

Procurando estepes na lama
Meus lábios de arame farpado procuram
A língua da donzela apodrecida
No mais... É só... Acordei num mundo conhecido
Com muita dor de cabeça

Cor na cabeça flor de terça
Abortada em sonhos
Acordei num sonho desconhecido sem tampa

Dormi numa noite sem frio à espera
De uma paixão descomplacente

No luto descomplacente dias de carnes dormentes
No papel o sangue é azul
Infinitas estrelas na solidão de uma
Bussola quebrada

É sério... Sou um elemento apodrecido
Nas turbulências da paixão vulgar

Sou e não posso fugir
Fundir duas naturezas contrárias
Mas posso adaptá-las

A um mundo sem felicidade absoluta
Veja quantas estrelas moram em mim
Você seria capaz de ver pelo menos uma?

Estrelas vivem num fantasma de luz
Talvez não existam estrelas
A cabeça é a maior delas
Grandeza sem limite de tempo
Sério são as interrogações

Talvez não existam estrelas lá fora
Mas dentro de tudo
Desse entrelaçado de ilusões
É absoluto pensar na existência das estrelas

Talvez se possa adaptá-las

Você e muitos complementos

Quinhentos...

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