sexta-feira, 30 de novembro de 2007

SALETE E O AGONIZANTE JOGO DAS INDIVIDUALIDADES


Bossanóia ou todo mundo
tem direito de ser deus

para Saulo Viana


João Gilberto não se perde porque é deus
nhanhanhanzinho endeusimumificado
e tudo volta a ser para sempre a máquina-deus
enquanto a musa voa como um fraseado saxofônico
é o último instante de um banquinho chamado adeus
com nove orelhas instantâneas e o mesmo instante por quatro
sonho
espessura
elástico e
madrepérola

João Gilberto não se perde porque é deus
suas mãos fogem do medo quando amarelam a figura do deus
sua boca engole o barquinho para alegria dos dentes
fúria dos dentes paixão e morte dos dentes...
É noite de São João, espinhos, todavias, carrinhos de bebês,
Velhinhos digladiando-se ao som desta bossa
Ou se preferir conto de fada:

era uma vez uma vez
que de quanto em vez não era
que todos diziam está de vez
ou era a bola da vez
vez verde por sinal semáforo
vez por outra era
não que de vez em quando não fosse
mas que sendo logo deixaria de ser
era uma vez sem vez
uma vez que era parte de um talvez
de alguma forma uma jogada de xadrez
e a banda do açougue desfila diante de um pedaço de vidro
João Gilberto cai do banquinho fica vincado.
moral da história: todo mundo tem direito de ser deus.

sábado, 24 de novembro de 2007

VERDADE E BESTIÁRIO

A verdade é um macaco que não se senta. Ela pertence aos deuses abafados pelo tempo, mas ondula pela cidade como um cínico com uma lanterna na mão em plena luz do dia. Trata-se de um enigma com quatro patas e hábitos rigorosamente sonolentos de bichano, capaz de suportar o desespero do poeta ou entender o amanhecer imóvel de uma simples esfera. A verdade anoitece entre as aves cuculiformes e as pequenas pedras que já pertenceram ao mar: anoitece decerto na boca dos homens de olhos vendados e desperta como um relâmpago numa gota de esquecimento, mas não antes de passar de mão em mão. Como um fantasma, está em todos os lugares ao mesmo tempo, branca e calada como o diabo fugindo da cruz. Ela tem os olhos de inesgotável tristeza, a mesma tristeza que se vê numa lâmpada incandescente ou no olhar shakespeariano de um ursinho de melúria. A verdade, algumas vezes, equivale a um tigre que anda livremente pelos vários cômodos da casa e, não raro, é confundido com um dos catassóis do piano. Oportunamente, ao piano, quem a busca perde a conta dos dias. Mas qual a origem da verdade? Certamente não é fictícia. Um piano a engendrou numa vaca, por isso este animal é sagrado em alguns lugares da casa. Há quem diga que a verdade se encontra no interior atávico de um antigo piano e divide o espaço entre as cordas do instrumento com parafusos, pedaços de feltro, uma dúzia de necessidades e um terrível segredo; todos inteiramente entregues aos ensaios de uma tragédia destinada a ser encenada por detrás da cortina. Os acordes dissonantes, produzidos durante os ensaios, em certas horas da madrugada, muito agradam a todos; principalmente, aos cucos e ao escritor Julio Cortázar.

sábado, 10 de novembro de 2007

QUEM SÃO ESSAS PESSOAS NA SALA DE JANTAR?

Disse certa vez o encontro ser dos espectros:
- O vento furioso das violetas entrou com muito amor pelas janestras da meu pensamento. Planou possível sobre os jazzminados campos de minh’alma E eu lhe respondi com infância. Adoráveis artefatos explosivos, bombufágicas, omatobombas, cada uma a seu tempo, desatinavam a manifestar-se. Eu, saxtenado, um cercado de lírios e naipes de rosas metálicas em tenor momento e objetos que, ainda hoje, batem as asas e colibrilham encravados no corpo da estante. Inconfundível e único um fraseado de John Coltrane embaraçava as pessoas na sala de jantar porque elas não eram mutantes em noite portenha, mas sofriam do terrível hábito de roer uns aos outros. Mais uma vez o papa quebra a orelha do protocolo para anunciar um asno. Mas os asnos preferem os ramos ao ouro (segundo Heráclito) e o papa imóvel não.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

PARAÍSO DO FAUNO


desenho: Roberto bessa