sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

CONVITE



~~~~~O FLUTUANTE E OS HEBDOMADÁRIOS~~~~~

DRAMATIS PERSONAE

O FLUTUANTE
TIRÉSIAS (BRIZOMANTE)
O CARRASCO
O ARAUTO
A RAINHA
SERIN (ESPECTADOR)
FLORIN (ESPECTADOR)
DESDÊMONA (CARPIDEIRA/STRIPPER)
SISIFRIDUS (PSICOPOMPO)
A VÊNUS SONÂMBULA
AS PARCAS
GILLES (PSEUDO-ESTILITA/DESPROGRAMADOR SOCIAL)
DELEUS (PSEUDO-ESTILITA/DESPROGRAMADOR SOCIAL)

~PRIMEIRO ATO~


CENA I

Gilles está sentado confortavelmente em um poltrona colocada em cima de uma coluna, uma dentre tantas outras que fazem as ruínas de Atenas acontecerem. Os espectadores se reúnem em torno dessa coluna e procuram entender as sábias palavras desse pseudo-estilita. Florin faz-lhe algumas perguntas.

Florin - Quem és tu, santo homem?
Gilles - A cauda maior da causa perdida.
Florin - (perplexo diante da resposta) Quem é tu então?
Gilles - Sou minha imaginação.
Florin - Como?
Gilles - Minha história só eu sei...
Florin - (cortando) Onde encontro o Flutuante?
Gilles - Boa pergunta. Há várias representações possíveis, a mais aceitével, porém, é a sua singular representação noturna: quando vertiginosamente é meia-noite. Nesse momento, mas quem poderia negar, o Flutuante entende que o mundo não lhe pertence; que a realidade é uma criação dos bonecos instituídos; sabe que sua existência depende de nossa desvairada concisão de visionário, totalmente, ou pelo menos na sua grande maioria, desprovida de objeto. Somos para ele meras formas isoladas, cinza no tapete ou quem sabe apenas alguns pés molhados, ou seja, somos pasto para o boi-sol e ele a caótica razão de "existir-se". Não obstante, o Flutuante, anti-Édipo à janela, cruel-de-ló, é uma realidade indizível, a última fronteira entre nós e os espectadores que ainda não conseguiram largar seus hebdomadários. É um absurdo afirmar que isso nada tem a ver com a quadrúmana lua ou com a circunfluência dos dias: dias intranquilos que estalam por causa dos sete chicotes do zarpar. Lembre-se de que os expectadores, com seus hebdomadários, sempre estancam abismados diante de uma fragata que desliza impudica, pois provoca-lhes prazeres inavegáveis. A obscura aproximação do Flutuante, intensos penelopismos, confunde-se com a sensação que atormenta a todos e adensa-se, consideravelmente, com a chegada da noite. Na pálida festa, há menos expectadores do que hebdomadários e ...
Florin - (cortando) pouco a pouco levantarei minha mão, embora não a compreenda.
Gilles - E sua mulher, senhor, que é a ociosidade em pessoa.
Florin - Mes doigts entre l'alcove et les reliefs du Modern-Style.
Gilles - (perplexo) Boa resposta. Há inúmeras representações. Uma delas é parar numa esquina e consolar um travestido.

sábado, 18 de dezembro de 2010

POEMAS DE LAMANTIA




Litografias de Toyen

PARA COMEÇAR ENTÃO, NÃO AGORA

A claraboia inunda
Quando tu entras em minha voz
Levando uma caixa de fogo
Completamente silenciosa
Te abres à força encantada
Pelos mistérios do sonho

NO DOMÍNIO DE EMU

para Franklin Rosemont

Como um túmulo aberto que irradia uma risonha couve-flor
Algo assim como uma árvore gravando seus pés
Em um leopardo
De olhos quadrados
As luas e o pão competem pelo gosto entre
Os corações
De diamante

Do outro lado do lago do ser o vento fuma
Chamas tubulares
As cadeias estão tranlando corvos
As placentas refratadas na torre deserta
Da tormenta
Substituem a rua dos deslumbres
Submergida novemante em
Sua oculta saída
Enquanto a cidade desperta como um flor de
Cavalheiros
Amantes

VIBRAÇÃO

Há um vento que tortura os morcegos
E estão as plantas chamuscadas por sóis mortos
A cidade perfilada com o mar
Onde os abismos de pterodáctilos me chama
Há uma espiral de terror animando minha mente
E o zumbido do esqueleto da solidão
Onde florescem cadáveres furiosos numa garrafa
E armas vermelhas se desvanecem nos espelhos

Olho para trás pela folha de meu duplo
Ali voa - através de sua vista - O Enforcado
Onde uma pirâmide de água se aproxima
Entre os alimentos da vida interior


O ELEMENTO QUE AMAS


Posso te ver desde os cascos navegando na praia cheia de cimento, indicando-me o arco caído de um cometa que enche o rio de um falcão, um encontro surpreso submergindo os faróis.

Um vencedor emboscado em sua pirâmide voadora, ocre é a janela do saudável espelho... e um estrondo de portas alude a um leão, por aqui e por lá, mostrando displicentemente damas fugaces a ponto de se desvanecer no escudo das armas da chuva, donde os desejos civilizados emplumados com inanidades anti-cefálicas rogam a seus convidados que se acorrentem.

Nada menos que um centavo polido quando dispara a suja luz dos predadores que se escondem nos portos libertados por uma mulher e pela água, penteando um vítreo vestido putas-em-mão e uma ave cujo bico se suaviza até voltar-se para seu lacre de poesia líquida.

PHILIP LAMANTIA

     Filho de emigrantes sicilianos, Philip Lamantia nasceu em São Francisco em 1927. Sempre associado aos Beats, Lamantia foi um lobo solitário, conservando sempre um estilo muito pessoal. "Phillip foi um visionário, como Blake, era capaz de ver o universo em um grão de areia." Segundo o poeta Lawrence Ferlingheti, em cuja editora, City Lights, foram publicados quatro dos dez livros de Lamantia. Com sua escrita libertària, alucinada, o poeta influenciou, de uma forma ou de outra, a maioria dos os escritores Beats, sobretudo Allen Ginsberg, cuja poesia, que até princípios dos anos 50, havia-se conservado num terreno bastante convencional, modificou-se radicalmente após o contato com Lamantia. Antes, porém, de classificar sua poesia apenas como beat, devemos lembrar que Lamantia foi, antes de tudo, um surrealista. O poeta Ken Wainio orgulhava-se de dizer, durante os anos 70, que Philip era o único verdadeiro poeta surrealista americano. Assim o reconheceu André Breton que o "descobriu" em Nova York , sendo Philip ainda um adolescente, para incorporá-lo formalmente ao movimento surrealista na década de 40, unindo-o a vários artistas notáveis como Aimé Cesaire, Dorothea Tanning, Arshile Gorky, Hans Bellmer, Toyen, entre outros. Foi a pintora Toyen que realizou o frontispício de um dos seus principais livro Touch of the Marvelous (1966).
      Leitura recomendada: The Beats - a graphic novel (vários autores). Além de Ginsberb, Kerouac e Burroughs, a hq traz capítulos com beatniks menos conhecidos como Lamantia, Michael McLure, Rexroth, Gary Snider, Ferlinghetti, Corso e outros.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

BOSSANOIA


Aquela estrela que dorme
A despedida que há de chegar
Soma-se tudo a chuva
Embora sonho inquestionável

Que cai sem paisagem
Chovem pensamentos sem curvas
As indormíveis cadelas do grito
São as Chagas de Março

Fechando o portão
É apenas mais um pedaço do caminho
A desenvoltura do fim
No pescoço das horas