sábado, 8 de dezembro de 2007

OPERAÇÕES AÉREAS

O homem sério guiado pela lua colhe elipses, procura sentidos abracadabrantes, objetos relativos, algumas palavras e outros blecautes. Profere silêncios ultrajantes. Observa o cavalo longínquo, eleito senador, comendo moedas e vivendo de aparências, enquanto o parque repousa no horizonte do maquinista e lentamente escorre sangue pelos braços das antigas moradas do sol. Sepulturas encolhidas pelo frio. Memória da camarilha. Personas fascinantes, vagiconas faiscantes (de omnibus est dubitandum). O sol brilha! Tudo passa e o sol brilha automaticamente, risca o elmo do templário inavistável. No exato momento em que soldados da atualtiguidade se apunhalam eternidade adentro. Nunca morrem, são heróis; são desertos incontestáveis. Nunca acabam, buscam eldorados e nada mais. Um títere parido pela medonha industrial no labirinto da madrasta, Não é herói, tampouco bandido. É pouco. Descabelo, coberto de luto, vazante, Orfeu devorado por uma vagicona aconchegante; por operações aéreas do eternamente sentado. O homem sério invoca a musa, a lâmpada de dois gumes. Arremessa dardos numerados pelo lanceiro celestial. Olha. Cada passante é um número; cada ouvinte um bom pedaço de carne; cada palhaço um naco do espetáculo. O homem sério, sob a tutela de Hermes, prepara uma palavra, senta-se junto ao copo com água enquanto ardente. Toca o peixe fora d’água que luta desesperadamente contra a arquitetura do tempo; o perceptível avanço do início; a infância, o pai morto e o monstruoso busílis. Grita uma palavra mágica que abre as partes carnosas da operária despida, estendida, num golpe de vista, com seu ventre repleto de náufragos, tempestades e uma harpista. Todos resistem à beira de uma fonte chamada equilíbrio. Sua imaginação não perdoa. Aurora intransponível. O títere (inerme nudique) ri à toa na vida e aposta nos cavalos do carrossel, procura a tatuagem da menina-dos-olhos-do-rei que voa pelo seu corpo esguio. A pequena borboleta atrai os desnorteados, os transeuntados, os administradores de cristo, êmulos, amigos facundos. Todos se aproximam da fera florífera e levantam a festa. Ao passo que, no compasso da sonata para piano preparado, vagassonantemente, o mar ergue estátuas sentimentais. Estas, sempre atrasadas, sofrem de pensamento. Faz manhã no pensamento. A manhã degola as estátuas enquanto elas celebram a vida. A vida persegue o pensamento, cheia de variantes sobrepostas, abraça os cactos amorosos... De quando em vez o pensamento cai no mar e aí é outra história. O mar (vieil terrible) abre suas asas, talhando o destino de todos afogados. Inexplicável mar, aberto e febril; sem dialogo, mar em todas as direções. Mar de cascos gastos, de conchas enlouquecidas na cozinha por enormes falos-do-mar, de beldades efêmeras com todos efes-e-erres que bóiam de bruços, sereiam aBUNDAntes. Seus seios escrevem bilhetes desmedidos. Esguicham leite para desertores de todas as guerras, levantam-lhes lácteos monumentos de vida. Seus peitos, insuspeitos, chamam a voz do abismo: admirável na arte de persuadir poetas (genus irritabile). Às vezes, o pensamento viola túmulos e tumultua tudo. Escapolem mil marmotas: pessoas que copulam sedimentadas feitos guinchos, deixam de ser penitentes para flertar com os olhos azuis de deus. Fantasmas que só se encontram em motéis baratos, se banham com parafusos, se perdem na selva dos bisturis e se acham no pequeno quadrado da dor. Mistérios nas reentrâncias do concreto; olhos que espiam com entranho ar de fauno; sustos de zíper quando amanhece morrer. Gente que não é ente querido ou maldito é sombra pelo avesso, relógio de pele nua que se mistura à penumbra das setas indicadoras por causa do agradável rótulo de uma suposta felicidade. A pequena borboleta desliza pelo corpo da menina-dos-olhos-do-rei que teoricamente sonha e dorme acordada e fala durante o sono e desperta adormecida por uma voz fálica. Entre suas pernas desabrocha uma flor negra, alerta, específica, silenciosa como copos emborcados, úmida, autodidata, ensoberbecida, fulminante como o miosótis que despedaça embarcações; a exalar odores lascivos, a espera do íncubo, o louva-a-deus secreto, para em seguida, em ferocíssimo gozo... decapitá-lo. Hipocrise simiburguesa. O títere acorda ligeiramente oco com a corda toda no osso nu do pescoço. Ri o riso das anêmonas-do-mar; Ri o riso duro do rio que não dorme; ri o riso do ser humano sem ente nem dente; ri com simiburlesca violência o riso amarelo do assalariado assaltado o ano inteiro pela máquina nossa de cada dia.

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