quarta-feira, 4 de junho de 2008

PORCELANA



O relógio da torre devora as horas quando quatro poetas resolvem descruzar os braços. Isto é o que importa. “Sigamos, pois, embrulhados no celofane, tropeçando sem cessar em questões indesatáveis”, diz o mais agitado. Distinta época, muito remota e bastante trabalhada pela erosão; pessoas preeminentes buscam ressonâncias na sala de encontros da casa do poeta anfitrião. Um punhado de luzes, reminiscências de lugares imaginados, odores adormecidos se desprendem dos cantos mais improváveis. Na parede, a surpresa ocupa os espaços destinados a determinados quadros. Sentam-se, os poetas, em volta de uma mesa sem começo nem fim. Porcelana, a mulher do anfitrião, entra rosa em trajes mínimos, fluindo orquideante com olhares de me leva consigo. Quer dizer algo e dirá em algum momento imprevisto, contudo o sangue é indizível. Marat traz consigo a banana das promessas e o não-consigo-escapar-deste-encantamento. A mulher, incerta e prazenteira, delicia-se com pupas e mel enquanto os outros fumam, ocultam-se e observam o seu compasso, a maciez da profunda floresta incrivelmente encoberta por um sumário baby-doll. Ela deita de bruços sobre a mesa-oceano, prepara-se para o arco-íris no sentido estrito e atapetado da palavra. Marat não consegue tirar os olhos de suas formas superabundantes e quase impossíveis. Um happening? Dos gestos lançados ao acaso, o arranjo mais belo: gestos ornamentais e purpúreo-convidativos. Marat, terrivelmente seduzido, decide participar do jogo dos instintos e cobre-se de musgo. Os outros caem na ilusão da morte de papel, ou seja, ocupam-se com os origamis da morte e em lançar milho para os jesuítas que teimam em pousar na janela. Pois bem, Marat completamente coberto de musgo, apenas os braços de fora e os olhos eretos. Segura ritualisticamente a banana e empenha-se em acompanhar a evolução das conchas arredondadas e o veludo dobrado pela brisa. Introduz, firmemente, a banana na boca de Porcelana, fazendo funcionar seus mecanismos ofegantes. Suponho que as surpresas já ocupem todos os orifícios da bela mulher. Repentinamente, sina de poeta, clímax cutâneo, o anfitrião põe uma música (Ragtime Waltz, de Mauricio Kagel) que serve de base para a encenação de sua esposa alvoroçada. Ela ergue um pouco suas nádegas e começa a expelir, no ritmo da musica, pequenas e multicoloridas borboletas.
Prosa inspirada no poema “Metamorfose” de Mário Gomes, figura ímpar que perambula pelas ruas de fortaleza. Para saber mais sobre o poeta: http://poetamariogomes.blogspot.com/

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