terça-feira, 15 de abril de 2008

JOYCE MANSOUR: GRITOS E DILACERAÇÕES


Joyce Mansour (Joyce Patricia Adès) nasceu em Bowden (Inglaterra) em 1928, apesar de sua nacionalidade egípcia. Após terminar seus estudos, estabelece-se em Paris, onde publica sua primeira coletânea de versos Cris (1953), cuja publicação é aclamada pelos surrealistas na revista Médium. A “étrange demoiselle” é saudada por Breton, Michaux, Mandiargues, Bachelard, Leiris; e fascina a todos que participam, ou não, do último período do movimento com sua beleza incomum e seus versos que traduzem com perfeição as erupções de sua sexualidade vulcânica. Encontram-se em sua obra os mais variados registros de uma exploração sem fim dos profundos abismos do ser humano. O próprio corpo é tomado como um desses abismos, assim, como ela mesma afirma: “o inferno das mulheres começa em seu próprio corpo”. A principal característica de sua obra é uma notável liberdade impregnada de um erotismo macabro; uma ferocidade verbal sem igual: bem mais impetuosa quando a poeta dá livre acesso aos seus obsedantes fantasmas, todos ligados, obviamente, ao sexo e a morte.

A amazona comia seu derradeiro seio
À noite antes da batalha final
Seu cavalo calvo respirava o ar fresco do mar
Escoiceando de ódio relinchando seu medo
Pois os deuses desciam dos montes da ciência
Traziam consigo os homens
E os tanques

***

Febre teu sexo é um caranguejo
Febre os gatos mamam em tuas tetas verdes
Febre a rapidez do movimento de tuas ancas
A voracidade de tuas mucosas canibais
O abraço de teus tubos que estremecem que bradam
Despedaçam meus dedos de couro
Arrancam meus pistons
Febre esponja morta inchada de moleza
Minha boca breve ao longo de tua linha do horizonte
Viajante sem medo em um mar de frenesi

de cris – 1953

Não quero mais seu semblante de sábio
Que me sorri através das velas vazias da infância
Não quero mais as duras mãos da morte
Que me arrastam pelos pés nas brumas do
Espaço
Não quero mais olhos lânguidos que me entrelaçam
Crateras que cospem seus espermas frios de
Fantasmas
Em minha orelha
Não quero mais ouvir as vozes murmurantes das
Quimeras
Não quero mais blasfemar todas as noites de
Lua cheia
Toma-me como refém como círio como
Bebida
Não quero mais maquiar sua verdade
Eu faria o grand écart * para lhe impressionar
Senhor

* Agachamento com as pernas estendidas formando um ângulo de 180 graus.
Passo acrobático muito usado por ginastas e bailarinos.

de Déchirures, 1955

Quero partir sem bagagens para o céu
Meu desgosto asfixia-me porque a minha lingua é pura
Quero partir para longe das mulheres com mãos gordas
Que acariciam meus seios nus
E que cospem sua urina em minha sopa
Quero partir silenciosa à noite
Hibernar nas brumas do esquecimento
Penteada por um rato
Estapeada pelo vento
Tentando crer nas mentiras de meu amante

de Rapaces – 1960

Tradução : Roberto Bessa

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